Um país pode dormir em berço esplêndido, mas seu
povo e suas lideranças não têm o direito de ficarem letárgicos quando seu
futuro está ameaçado. Mas estamos sofrendo de letargia diante do esgotamento de
um ciclo histórico que exige mudança de rumo.
É visível que nossa democracia está fragilizada por
causa da corrupção, da desmoralização dos partidos tradicionais, do uso de
“pacotes” elaborado conforme os interesses do momento, do elevado custo de
campanhas, transformadas em batalhas de marqueteiros e advogados, e do
financiamento corruptor destas campanhas milionárias.
Outro fato que demonstra esta fragilidade é o
controle do Legislativo pelo Executivo e a insólita disputa entre Legislativo e
Judiciário.
É visível o risco da perda do controle da inflação.
Uma das conquistas da democracia foi o Plano Real, adotado por unanimidade
pelas lideranças políticas nacionais e todos os governos dede 1994.
Agora, elas parecem abandonar esta grande
conquista. E o povo parece manter-se letárgico, sem despertar para o risco do
monstro da inflação e suas consequências desestabilizadoras de todas as
políticas, especialmente as sociais e econômicas.
Também estamos letárgicos diante da desmoralização
de outra grande conquista da democracia: a transferência de renda. Estamos
letárgicos também diante do risco do aumento real do salário mínimo, agora
ameaçados pela volta da inflação e pelo risco de que sirva como indutor de mais
inflação.
Estamos letárgicos diante da aceitação de bolsas
como instrumentos permanentes sem compromisso com a abolição da pobreza. Os
brasileiros, especialmente os beneficiários das bolsas, ainda não se
despertaram para um tempo em que se livrarão delas.
E as lideranças políticas, especialmente as que se
consideram de esquerda, parecem considerar que o Brasil já fez sua revolução,
ao distribuir um mínimo de sua imensa renda para os pobres, mesmo mantendo o
modelo social e econômico concentrador.
É preciso despertar para a necessidade de que
qualquer brasileiro e sua família estejam independentes da necessidade de
bolsa.
Nosso povo e líderes também estão letárgicos diante
do claro atraso da nossa economia que, mesmo quando cresce, faz como há cinco
séculos, por meio da exportação de commodities, e há 60 anos por intermédio da
produção industrial de bens sem conteúdo cientifico e tecnológico. É preciso
despertar para o fato de estarmos aceitando no século XXI uma economia de
meados do século XX.
A letargia fica mais grave porque as eleições
presidenciais são o momento de despertar, mas até agora não se vê qualquer dos
candidatos com propostas que permitam reorientar o país.
Nenhum deles parece estar interessado em despertar
o povo da letargia diante de uma sexta economia baseada em commodities, de uma
sociedade não emancipadora, de volta da inflação e de uma democracia acanhada e
instável, que parece ser de brincadeira.
É muito arriscado ficar dormindo enquanto o mundo
inteiro se mexe, mesmo quando em crise de crescimento na produção.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo
PDT-DF.
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