Por Cristovam Buarque
O Brasil conseguiu realizar sofisticada
“modernidade-técnica”, mas não fez sua “modernidade-ética”.
Produzimos milhões de automóveis e
temos um péssimo sistema de transporte público, inventamos e usamos urnas
eletrônicas, mas não eliminamos a corrupção, nem no comportamento dos políticos
nem nas prioridades das políticas; nem incorporamos a participação dos
eleitores em tempo real no processo político.
O descontentamento com a construção da
“modernidade-técnica” sem fazer a “modernidade-ética” é a principal causa das
manifestações que tomaram as ruas, já apontado no livro “A revolução nas
prioridades: da modernidade-técnica à modernidade-ética”, de 1992, Ed. Paz e
Terra.
O futuro imediato é preocupante se não
percebermos os riscos e não formos capazes de promover uma inflexão histórica
para construir um país com métodos políticos diferentes, capazes de realizar
prioridades diferentes.
Por enquanto, as manifestações são dos
“desiludidos”, aqueles que perderam a esperança no fim da corrupção, na
possibilidade de elevar ilimitadamente seu padrão de consumo e de ter um
diploma universitário que assegure emprego com renda alta.
Não devem demorar a ocorrer manifestações
dos “desesperados”, aqueles que nunca tiveram esperança de terem boa educação,
emprego com alta renda, consumo elevado.
Quando esses dois grupos se
encontrarem, mesmo que em momentos e locais separados, “desiludidos” e
“desesperados” carregarão a mesma raiva contra o sistema utilizado ao longo de
décadas. Isto se agravará com a crise econômica que não consegue mais ser
adiada, nem escondida.
Este quadro fica ainda mais arriscado
quando percebemos que a luta não precisa de partido, nem de líder, nem de
bandeiras ideológicas.
Basta descontentamento para que um
jovem conectado à internet possa reunir dezenas ou centenas de pessoas capazes
de fechar uma estrada, arrombar portas de lojas, invadir condomínios. O
resultado é impossível de ser controlado, mesmo se a polícia monitorasse todas
as trocas de e-mails na cidade.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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