domingo, 22 de setembro de 2013

O DUPLO PAPEL DE EDIR MACEDO

Por Maurício Stycer


Nas páginas que antecedem esse relato longo e cansativo, o autor dedica-se a delinear, com contundência, o grande inimigo: "O clero romano mandava e desmandava no Brasil". Sobre a sua prisão, em 1992, sob acusação de charlatanismo, curandeirismo e estelionato, escreve: 

"Nunca aceitei a ideia de que a Justiça brasileira seria influenciada pelas vontades do Vaticano ou pela pressão da imprensa manipulada por eles".

A conexão entre o que parecem ser as duas missões de Macedo --levar a voz de Deus aos fieis e combater os que querem calá-lo-- fica mais clara no segundo volume. Apesar da evocação algo mística estampada na capa, "Meus Desafios Diante do Impossível", o subtítulo faz alusão à compra da Record, por  US$ 45 milhões, em 1989.

Ainda que descreva o negócio como "uma provação", vencida depois de percorrer um "doloroso caminho", Macedo desce a alguns pormenores menos edificantes, como o reconhecimento de que usou um testa de ferro na primeira etapa das negociações.

Por que comprar a Record? "Era um projeto idealizado para conquistar almas", escreve. Em outro trecho, falando da sua briga com representantes do espiritismo, Macedo é explícito ao afirmar que entende a TV comercial como uma ferramenta de luta e conversão de almas. "A Rede Record ainda não era nossa para denunciar tamanha depravação."

Como se sabe, depois de adquirida, a emissora foi usada um sem-número de vezes como arma para ataques, travestidos de programas jornalísticos, a grupos religiosos rivais e a jornalistas que questionaram práticas da Igreja Universal.

Se no primeiro volume a mídia era apenas um instrumento do Vaticano, neste segundo ela alcança alguma autonomia no combate a Macedo. "A compra da Record atingiu em cheio os barões da mídia, intocáveis e superpoderosos, acostumados a uma ascendência promíscua em distintas esferas do poder."

Aparentemente sem se dar conta da contradição, Macedo revela que ofereceu o apoio da Record a Fernando Collor em troca do direito de fazer uma oração na posse do presidente, em 1990. A aproximação não prosperou, segundo ele, porque Collor "ignorou" o pedido.

Macedo não trata da sua ascendência junto ao governo Lula e não inclui, entre as dezenas de fotos do livro, a imagem que o mostra no beija-mão da presidente Dilma no dia da posse, em 2011.

O autor também evita, infelizmente, um tema delicado. Como reuniu, 12 anos depois de fundar a Igreja Universal, o capital necessário para a compra da Record? "Até hoje não sei como conseguimos. Não foi por caminhos semelhantes ao de qualquer negócio comum. Não houve cálculos detalhados nem estudos financeiros. Simplesmente, agi pela fé."

Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de "História do Lance!" (Alameda Editora). Escreve aos domingos em "Ilustrada". Fonte Folha de São Paulo


Nenhum comentário:

Postar um comentário