"Os melhores atendimentos de emergência
ainda estão nos hospitais públicos e, quando o paciente do plano de saúde precisa duma cirurgia com urgência o cenário
é montado para que o paciente seja transferido para lá".
Foi essa a revelação de um médico a
jornalista Ruth de Aquino, da revista Época, que pediu para não ser identificado, com medo de
represálias, em razão da denúncia sobre a estratégia criminosa dos planos de saúde no atendimento de emergência feitos aos seus conveniados:
- Prezada Ruth.
O que aconteceu com seu pai,
infelizmente, é normal. Acontece com TODOS os planos de saúde em TODOS os
hospitais do Brasil, quando se trata de atendimento de emergência.
A autorização de procedimentos é sempre
por telefone e, se você já tentou, sabe que isso significa horas de lenga-lenga
e musiquinhas irritantes
Até que se contate um médico auditor
responsável, pelo menos, uma hora já é perdida na espera. Por isso, os melhores atendimentos de
emergência ainda estão nos hospitais públicos.
Quando é preciso uma cirurgia de
urgência, o cenário muda: vou dar o exemplo de um caso comum em nosso dia a
dia.
O paciente chega politraumatizado – com
uma fratura exposta de perna e um traumatismo craniano leve. A pancada na
cabeça torna necessária a realização de exames, como uma tomografia, e a
colocação do paciente em observação. A fratura exposta deve ser operada logo.
Quanto mais tempo demora, maior o risco
de o paciente contrair uma infecção que, se confirmada, será de difícil
tratamento – ossos não respondem bem a infecções, o que obrigaria a cirurgias
posteriores. Uma urgência, portanto.
Como o paciente está lúcido, ele diz à equipe que tem plano e quer operar em hospital particular. O chefe de equipe faz o contato e, em até duas horas, a transferência é autorizada. Falta a ambulância chegar, o que só costuma acontecer cerca de três horas depois.
É isso mesmo: em média, entre a chegada do paciente ao hospital público e a saída do paciente para o particular, o tempo de espera varia entre 5 e 8 horas.
Como o paciente está lúcido, ele diz à equipe que tem plano e quer operar em hospital particular. O chefe de equipe faz o contato e, em até duas horas, a transferência é autorizada. Falta a ambulância chegar, o que só costuma acontecer cerca de três horas depois.
É isso mesmo: em média, entre a chegada do paciente ao hospital público e a saída do paciente para o particular, o tempo de espera varia entre 5 e 8 horas.
Diz-se que o período de ouro para essas
cirurgias é de menos de 6 horas, para diminuir o risco de infecção.
Normalmente, convencemos o paciente de que é melhor operar no hospital público
e, depois, fazer o acompanhamento pós-operatório num hospital particular.
E é com isso que os planos de saúde contam. Que, com a demora, o SUS acabe arcando com as despesas maiores. Exames, medicamentos, material anestésico, material cirúrgico. E que, depois, não haja ressarcimento ao hospital por todos os serviços.
E é com isso que os planos de saúde contam. Que, com a demora, o SUS acabe arcando com as despesas maiores. Exames, medicamentos, material anestésico, material cirúrgico. E que, depois, não haja ressarcimento ao hospital por todos os serviços.
Sem contar que um paciente que teria
condições de arcar financeiramente por um serviço melhor acaba ocupando ou
disputando espaço com pacientes menos favorecidos.
Talvez, no Hospital Lourenço Jorge, seu pai tivesse sido atendido mais rápido. Só teria de esperar pelos procedimentos numa maca muito menos confortável, em contato próximo com outros pacientes.
Talvez, no Hospital Lourenço Jorge, seu pai tivesse sido atendido mais rápido. Só teria de esperar pelos procedimentos numa maca muito menos confortável, em contato próximo com outros pacientes.
Talvez visse alguns pacientes
aguardando cirurgia espalhados nos corredores, por falta de vaga nas
enfermarias. Quer dizer, talvez não. O Lourenço não tem neurocirurgião para ver
a tomografia cerebral de seu pai.
Sobraram só o Miguel Couto e o Souza
Aguiar no Rio. Faltam neurocirurgiões que aceitem trabalhar por pouco.
Atualmente, meu salário pela prefeitura do Rio é de R$ 1.686. Passei num concurso entre os primeiros lugares para ter direito a esse salário.
Atualmente, meu salário pela prefeitura do Rio é de R$ 1.686. Passei num concurso entre os primeiros lugares para ter direito a esse salário.
Somente
aceitei por respeito à instituição onde fiz internato, residência e
pós-graduação. Não aceitaria se não fosse por motivos idealistas. Sou obrigado
a dar plantões com colegas que não fizeram concurso nenhum. Apenas conhecem as
pessoas certas. E, por isso, recebem até R$ 7.500. Para realizar o mesmo
serviço.
Também trabalho em hospitais particulares. E tento fazer o certo por lá também. Mas os mesmos planos de saúde que se negavam a pagar a tomografia de seu pai também se negam a pagar decentemente por nossos procedimentos.
Também trabalho em hospitais particulares. E tento fazer o certo por lá também. Mas os mesmos planos de saúde que se negavam a pagar a tomografia de seu pai também se negam a pagar decentemente por nossos procedimentos.
Recebo cerca de R$ 150 – para a equipe
toda, cirurgião, auxiliar e instrumentadora – por uma fratura de calcâneo,
cirurgia complexa, com alto risco de complicações. Para a placa e os parafusos
utilizados para a fixação, que custam R$ 1.500, os planos pagam tranquilamente
R$ 5.000.
Meus antigos professores me dizem que o foco precisa ser a saúde pública. No dia em que a saúde pública remunerar adequadamente a classe médica, os hospitais particulares e os planos de saúde serão obrigados a aumentar as remunerações se quiserem atendimento de qualidade.
Meus antigos professores me dizem que o foco precisa ser a saúde pública. No dia em que a saúde pública remunerar adequadamente a classe médica, os hospitais particulares e os planos de saúde serão obrigados a aumentar as remunerações se quiserem atendimento de qualidade.
Meus mestres são de um tempo em que um
médico fazia carreira no mesmo hospital durante toda a vida. O que é cada vez
menos possível, mesmo em hospitais particulares.
O médico hoje tenta sobreviver até
conseguir o suficiente para montar um consultório. Aí, é fugir tanto do serviço
público quanto dos planos. Ou largar a especialização, ir para o interior
e entrar para o Mais Médicos.
Atendi índios na Amazônia e sou apaixonado pelo serviço público. Mas é cada vez mais difícil fazer carreira de Estado nos dias de hoje.
Atendi índios na Amazônia e sou apaixonado pelo serviço público. Mas é cada vez mais difícil fazer carreira de Estado nos dias de hoje.
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