Por Maurício Stycer
Nas páginas que antecedem esse relato
longo e cansativo, o autor dedica-se a delinear, com contundência, o grande
inimigo: "O clero romano mandava e desmandava no Brasil". Sobre a sua
prisão, em 1992, sob acusação de charlatanismo, curandeirismo e estelionato,
escreve:
"Nunca aceitei a ideia de que a Justiça brasileira seria
influenciada pelas vontades do Vaticano ou pela pressão da imprensa manipulada
por eles".
A conexão entre o que parecem ser as
duas missões de Macedo --levar a voz de Deus aos fieis e combater os que querem
calá-lo-- fica mais clara no segundo volume. Apesar da evocação algo mística
estampada na capa, "Meus Desafios Diante do Impossível", o subtítulo
faz alusão à compra da Record, por US$ 45 milhões, em 1989.
Ainda que descreva o negócio como
"uma provação", vencida depois de percorrer um "doloroso
caminho", Macedo desce a alguns pormenores menos edificantes, como o
reconhecimento de que usou um testa de ferro na primeira etapa das negociações.
Por que comprar a Record? "Era um
projeto idealizado para conquistar almas", escreve. Em outro trecho,
falando da sua briga com representantes do espiritismo, Macedo é explícito ao
afirmar que entende a TV comercial como uma ferramenta de luta e conversão de
almas. "A Rede Record ainda não era nossa para denunciar tamanha
depravação."
Como se sabe, depois de adquirida, a
emissora foi usada um sem-número de vezes como arma para ataques, travestidos
de programas jornalísticos, a grupos religiosos rivais e a jornalistas que
questionaram práticas da Igreja Universal.
Se no primeiro volume a mídia era
apenas um instrumento do Vaticano, neste segundo ela alcança alguma autonomia
no combate a Macedo. "A compra da Record atingiu em cheio os barões da
mídia, intocáveis e superpoderosos, acostumados a uma ascendência promíscua em
distintas esferas do poder."
Aparentemente sem se dar conta da
contradição, Macedo revela que ofereceu o apoio da Record a Fernando Collor em
troca do direito de fazer uma oração na posse do presidente, em 1990. A
aproximação não prosperou, segundo ele, porque Collor "ignorou" o
pedido.
Macedo não trata da sua ascendência
junto ao governo Lula e não inclui, entre as dezenas de fotos do livro, a
imagem que o mostra no beija-mão da presidente Dilma no dia da posse, em 2011.
O autor também evita, infelizmente, um
tema delicado. Como reuniu, 12 anos depois de fundar a Igreja Universal, o
capital necessário para a compra da Record? "Até hoje não sei como
conseguimos. Não foi por caminhos semelhantes ao de qualquer negócio comum. Não
houve cálculos detalhados nem estudos financeiros. Simplesmente, agi pela
fé."
Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do
portal UOL, autor de "História do Lance!" (Alameda Editora). Escreve
aos domingos em "Ilustrada". Fonte Folha de São Paulo