segunda-feira, 11 de agosto de 2025

"O DIA QUE UM "TIA" ESTRAGOU UM BANHO DE ALMA"

"PEQUENAS PALAVRAS, GRANDES FERIDAS"

Carlos Gilberto Triel

Na loja de material elétrico “A Luminosa”, numa manhã qualquer do ano passado, o balcão estava lotado. Para ser atendido, o distinto freguês precisava pegar a senha e aguardar a chamada.

Uma jovem senhora de uns 38 anos — bonita, sorriso fácil, cabelos ainda úmidos de banho — carregava aquela convicção radiante de quem está “com tudo em cima”, corpo e alma lavados. Pegou sua senha e aguardou a vez.

Mais atrás, um caboclo vestia uma camiseta dupla face: de um lado, a cara de Che Guevara e a frase “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”; do outro, um paradoxo estampado: “Deus é Fiel”.

Quando estava prestes a ser atendido, ele avançou, pôs a mão no ombro da mulher e, com voz esganiçada, disparou:

Aí, minha tia, dá licença aí...

Ela ficou pasma — não pelo toque invasivo, mas pelo “minha tia”. Olhou incrédula: ele parecia mais velho que ela! “Tia”?! Homens tolos, imaturos, desprovidos de senso comum... ignoram que não se deve jamais chamar uma mulher de “tia”, a não ser que ela seja, de fato, sua tia.

E aquela não era exceção: tinha espelho em casa, cuidava-se, ainda era jovem e bonita. Qual a razão dessa crueldade gratuita? Ser chamada de “tia” foi como uma punhalada no ego.

Em menos de um minuto, a mulher que até então irradiava alegria levava a mão à boca, engolindo um choro. A vontade de estar ali evaporou. Sem saber mais o que comprar, enxugou discretamente uma lágrima e foi embora.

A deselegância do homem atual nunca esteve tão alta.

Entre sermões de púlpitos, podcasts motivacionais e conselhos de autoajuda, esquecem-se do principal: ensinar aos “projetos de homem” que pequenos delitos podem provocar tragédias invisíveis.

Quando chegou minha vez de ser atendido, lá estava o caboclo, ocupando exatamente o lugar que antes fora dela. Sem hesitar, devolvi na mesma moeda:

Por favor, deixa eu passar aí, tiozinho...

“Tiozinho”?! Como assim?! Agora era ele quem não acreditava. Mais surpreso ainda por ter sido chamado assim por alguém visivelmente mais velho. Na cabeça dele, isso significava que aparentava muito mais idade do que tinha.

Provar do próprio veneno não estava nos planos.

Comprei o que precisava e fui ao caixa. Ao sair, o reencontrei na calçada, meio fora de prumo. Olhou-me com raiva, como quem perguntava “Como ousa?”.

Encarei-o como se encara bêbados, fanáticos e idiotas, e completei com a frase agora imortalizada na história do país:

Perdeu, titio. Não amola.

E foi embora, carregando no rosto o mesmo constrangimento que havia provocado.

Porque, no fundo, é simples: ninguém é obrigado a medir palavras, mas todo mundo é responsável por onde elas batem. A língua não é faca, mas corta; não é pedra, mas afunda. E, às vezes, basta um “tia” ou um “tiozinho” mal colocado para transformar um dia bonito em um dia que se quer esquecer.